quinta-feira, março 15, 2007

Erva Daninha Alastrar

"Só eu sei,
Só eu sei que sou terra,
Terra agrestre por lavrar,
Silvestre monte maninho,
Amora, fruto sem tratar.

Só eu sei que sou pedra,
Sou pedra dura de talhar,
Sou pedrada em aro,
Calhaus em forma de encastrar.

A cotação é o quiserem dar,
Não tenho jeito pra regatear,
Também não sei se a quero aumentar.

Porque eu não sei se me quero polir,
Também não sei se me quero limar,
Também não sei se quero fugir deste animal
Que ando a procurar.

Só eu sei que sou erva,
Erva daninha alastrar,
Joio trovisco, ameaça
Das ervas doces de enjoar.

Só eu sei que sou barro,
Dificil de se moldar,
Argila com cimento e cérebro,
Nem qualquer sabe trabalhar.

Em moldes feitos não me sei criar,
Em formas feitas podem-se quebrar,
Também não sei se me quero formar

Porque eu não se me quero polir,
Também não sei se me quero limar,
Também não se quero fugir deste animal
Que ando a procurar."

António Variações

A verdade é que, às vezes parece, que temos vergonha da nossa essência animal.. Talvez porque nos achamos demasiado superiores aos restantes animais.
Pensamos que somos inteligentes e que por isso dominamos o mundo. Mas a verdade é nem a nós mesmos conseguimos dominar, quanto mais o mundo.
Somos um animal de comportamento complexo, mas não deixamos de ser um animal.
Uma das características que nos distingue dos restantes animais é a nossa elaborada forma de comunicar.
Comunicamos. Aprendemos pela comunicação, passamos testemunho das nossas aprendizagens, registamo-las em suporte de forma a revê-las ou reouvi-las. E assim, achamos ser super especiais e super inteligentes.
Para além da comunicação, temos também, um espírito de origem diferente dos animais. Que nos confere a capacidade de amar.
Mas o nosso espírito é como o nosso corpo. Se não o alimentarmos morre.
O nosso espírito tem a vantagem de o podermos desenvolver em vários corpos, segundo as vidas que vamos tendo.
Para mim, António Variações foi um espírito que nasceu iluminado com uma vasta bagagem de conhecimentos sobre a existência humana que se recusava a desaprender aquilo que para ele já era sabido. Foi um espírito com a missão nobre de nos fazer pensar a nós portugueses sobre questões existenciais bem relevantes e de uma forma acessivel a todos.
Ao fim e ao cabo, será que devemos formar o nosso corpo e o nosso espírito?
Formar sob que padrões? Formar com que propósito?

terça-feira, março 13, 2007

Sempre Ausente

"Diz-me que solidão é essa que te põe a falar sozinho,
Diz-me que conversa estás a ter contigo?
Diz-me que desprezo é esse que não olhas pra quem quer que seja,
Ou pensas que nao existe nínguem que te veja?

Que viagem é essa que te diriges em todos os sentidos?
Andas em busca dos sonhos perdidos...

«Lá vai o maluco, lá vai o demente,
Lá vai ele a passar»
Assim te chama toda essa gente.

Mas tu estás sempre ausente
E não te conseguem alcançar.

Diz-me que loucura é essa que te veste de fantasia,
Diz-me que te liberta de vida vazia?
Diz-me que distância é essa que levas no teu olhar,
Que ânsia e que pressa que queres alcançar?

Que viagem é esse que te diriges em todos os sentidos?
Andas em busca dos sonhos perdidos...

«Lá vai o maluco, lá vai o demente,
Lá vai ele a passar»
Assim te chama toda essa gente.

Pois tu estás sempre ausente
E não te conseguem alcançar.

Mas eu estou sempre ausente
E não me conseguem alcançar..."

António Variações

Esta é talvez a letra com que mais me identifico, talvez pelos meus interesses pelo comportamento humano desviante e por psicopatologia.

Quando tendemos a fugir dos padrões sociais somos imediatamente censurados e até excluídos. É uma consequência inevitável e intrínseca ao ser humano. Isto porque nos regemos por estereotipos e preconceitos.
Mas é importante esclarecer que tudo isto tem uma razão de ser.
Estereotipos são modelos que arranjamos para organizarmos a informação no nosso cérebro. É como se tivessemos várias gavetas no nosso cérebro que equivalem a várias categorias, e quando conhecemos algo ou alguém, temos de arrumar de imediato essa informação. É uma necessidade. É uma implicância funcional do nosso organismo.
Preconceitos, como o próprio nome expõe, é uma concepção prévia que temos antes de conhecer a fundo uma situação ou uma pessoa. Mas é também uma necessidade funcional do nosso sistema.
Não gosto nada de ser teórica mas às vezes torna-se necessário recorrer à teoria para podermos compreender o funcionamento de certas situações. O que acho que é o caso.
A ignorância é sem duvida a principal causa do sofrimento.
Acabamos muitas vezes de ser vitimas e agressores de preconceitos e estereotipos, quando no fundo apenas estamos a agir segundo aquilo que sabemos.. Sabemos, neste caso, não Saber é lixado.
Se calhar o Saber sempre ocupa lugar..porque nos dá mais espaço de manobra.
Mas enfim.. Isto pra dizer que quem se rege mais por estereotipos e preconceitos é apenas ignorante.
Todos damos o nosso melhor. Todos fazemos o melhor que conseguimos. Se não fazemos mais.. é porque não sabemos como. Não temos a verdadeira consciência do certo e do errado. E isso eu não condeno jamais.
E a verdade é que muitas vezes eu estou sempre ausente..

Ode

António Variações é para mim uma personalidade que adoro pela sua atitude perante a vida e perante o mundo, e por isso decidi incluir nos próximos dias algumas das suas letras e juntar um pequeno comentário.

segunda-feira, março 12, 2007

Pra quem eu nunca vi

Neste contexto social cada vez mais individulista, sinto-me cada vez mais imbuida neste isolamento interpessoal.
A minha vida está cada vez mais impregnada de uma solidão que ao mesmo tempo me conforta.
Conforta porque neste turbilhão de emoções mal interpretadas, ou dirigidas, de intenções mal projectadas, ou desfocadas que é o mundo do relacionamento humano, cada vez mais se afasta da minha realidade. Por outro lado, não sei até que ponto quero deixar de viver estes conflitos. Pois sem estes conflitos o que é da nossa raça?
Lembrei-me de um texto que escrevi há 11 anos, quando não existiam blog's e quando o papel era o meu único suporte emocional. E resolvi colocar esse texto aqui, por se manter estranhamente actual:


Estou mais uma vez à margem do rio. Por ele outras vidas passam, mas a minha.. a minha quase não existe. Diluiu-se com a água corrente e agora faz parte do cenário de outras que buscam o mesmo fim, a mesma morte.
Sem reacção deriva pelo rio, onde tudo tem significado, onde não há mistério algum.
Deixa-me navegar em paz e não me incomodes com amizades (?). Preciso de alguém que não me queira, preciso de alguém que não existe.
Hoje um pássaro numa gaiola disse-me que não passamos de criaturas que coabitam numa gaiola gigante, cuja vantagem é o poder do isolamento no meio de uma multidão.
Sinto que cada vez mais me distancio de todos, me isolo, me torno diferente, sem qualquer estatuto, apenas diferente.
Cada vez o rio se torna mais estreito e sem hipoteses de escapa.
Criatura imbecil, diz-me que mais queres que faça para dizer que a minha alma precisa da tua? Onde andas?
Nunca mais me encontras e começo a ficar farta e ainda nem te conheci.
Porque tenho de esperar tanto? Ok. Talvez para te dar o devido valor quando te encontrar.. mas antes disso quero dizer-te que te adoro, te venero e que te vou amar até ao fim.
Fode-me a alma, cada dia que passa e não te vejo. A vida escasseia e mal posso esperar por mergulhar na tua encantadora pessoa, navegar contigo até ao fim do rio, até ao fim desta nossa linda e farta existência.
(09/10/96)

Ler isto que escrevi com os meus 18 anos, provoca-me sentimentos mistos de conforto e desassossego.. Por um lado sinto um conforto estranho, por outro, sinto algo assustador por ser tão actual.
A única diferença é que já não procuro por quem nunca vi.
A leveza de Ser equivale ao peso da consciência..