quarta-feira, maio 22, 1996

No pântano

E o rio deixou de o ser, e passou a ser um pântano. A vida afogou-se no desespero, depois de ter pedido, sem qualquer resposta, ajuda ao tempo que por ali andava nas margens e que se riu como um louco ao vê-la afogar-se.
Talvez porque esta não quis um dia ir pra cama com ele.
E assim acabou a história da vida.
E assim lá continuou o tempo a escarrar pró ar e a dizer mal de toda a gente que passava.

sábado, maio 18, 1996

O tempo não existe

O tempo passa...
As hipóteses esgotam-se. E porquê? Porque é que vejo defeitos em toda a gente que passa? Porque é que não vejo nenhum ser perfeito, se no fundo todos o devíamos ser?
O tempo passa...
E as crianças aguardam um futuro com o mesmo fim.
O tempo passa...
Não há amor. Não há paz. Não há esperança. Apenas este tempo... que passa e passa e nos ameaça com o seu fim.
As hipóteses esgotam-se e o tempo escasseia.
As perspectivas são zero e esta vida de merda continua com o tempo a passar, a fugir sem volta...
E aqui estou eu a ocupar o meu tempo com as coisas mais banais e fúteis, quando há tanto por fazer no mundo.
E o tempo passa...
E o tempo é ridículo!
E o tempo não existe!
É apenas uma mera condição de vida, sem a qual, a vida não tem sentido, e com a qual, pouco sentido tem.
E o tempo rarefica-se pela estrada da vida.
Merda de vida! Vida de merda! Que pareces não ter fim, mas que no fundo, tens um fim tão próximo.
Responde-me se és capaz, para quê este tempo? Para quê esta vida? Eu desisto!
E continuo a viver a minha vida com o meu tempo: magníficos excrementos do magnífico sentimento "Amor"!...

quarta-feira, maio 15, 1996

Uma história qualquer II...

Mas foi num lindo dia de sol que o tempo descobriu que sentia mais do que um simples desejo sexual pela vida, e que na verdade a amava e a queria como esposa. E quando, nesse dia de sol, foi ter com a vida esta encontrava-se na cama com a morte que, sugando o seu tutano a fazia subir ao céu.
E foi aí que o tempo percebeu que não era apenas a vida que ele queria, mas também a morte.
E foi nesse lindo dia de sol que os três juraram laços eternos e existiram felizes para sempre.

Uma história qualquer...

Lindo dia de sol este em que a vida e o tempo pararam para se cumprimentarem, aqui no planeta onde nada e tudo acontece. Onde tudo anda e tudo pára. Onde as mães amamentam e matam os filhos. Onde o homem mata e ama. Onde os cães comem merda por prazer e não por fome.
Lindo dia de sol este... E a conversa não foi longa, demorou apenas alguns séculos. Até que o tempo conseguiu finalmente foder a vida, e esta, contente e feliz, deu-se quem a quis por amar-odiar tanto o tempo que nunca mais a cumprimentou desde então.

sábado, maio 11, 1996

A Festa II

E devido à ressaca do dia anterior, a vida, a morte, o prazer, a tristeza, o tempo, a droga, a merda e o amor não puderam estar presentes na festa da caridade organizada pela misericórdia e pela esperança, sempre tão cândidas e puras, sempre tão ingénuas e pudicas. É claro que nunca haviam participado nas festas do tempo, onde reinavam a droga e o prazer, criaturas que elas não suportavam e que tinham convidado apenas por hipocrisia.
Esta festa foi um eterno fiasco, sem a presença da vida e do amor e de todos os outros.
E passadas horas ainda estava tudo às moscas, moscas estas que foram o seu almoço, grelhadas com molho de manteiga e limão, acompanhadas por um belo e requintado vinho verde que a droga tinha deixado no sítio no dia anterior.
E assim, subiu a noite tirando lugar ao dia, e este vingando-se tirou-lhe o lugar passadas umas horas, fazendo assim amanhecer mais um dia.

sexta-feira, maio 10, 1996

A Festa

E o amor que já coube num oceano, cabe agora numa mosca. Uma mosca que esvoaça e atazana a humanidade, poisando em toda a merda que encontra pelo caminho e regalando-se e alambozando-se com todos os excrementos existentes.
E a mosca nunca será azul, nem nunca poderá alugar uma canoa no rio da vida. Porque a mosca e apenas um ornamento na natureza. E a mosca vive sem saber porquê e anseia pela sua morte sem, no entanto, nunca o ter sentido, ou sente? Mistério? Não, claro que não. Já dizia o Fernando P. que "maior mistério é haver quem pense no mistério".
No entanto, a mosca é detentora de todo o meu amor. Nela está presente o mais ansiado sentimento. Criatura imbecil... que comes merda por prazer, no entanto não deixas de ser uma criatura, pois o criador tinha de criar algo que comesse a merda da humanidade, provavelmente nunca pensou é que essa mosca pudesse armazenar o amor duma criatura como eu.
Não, não estou a dizer que o amor é uma merda, ele apenas se encontra perto desta, chafurdando nela e ouvindo-a dizer indecências, lambendo os seus escarros e comendo o manjar dos deuses que é o seu vomitado, vomitado este, que ela expele devido à sua sistemática piela.
E foi assim que o amor ao conhecer a merda a convidou para aquelas festas organizadas pelo tempo, que tinham sempre convidados tão ilustres, como a vida, a morte, o prazer e a tristeza, entre tantos outros.
E na primeira festa em que esta se encontrou presente, aborreceu-se. Pois não sabia dançar, escorregava sempre nas suas saias fedorentas e podres. Até que chegou a sua "ex", a droga, que desde que se tinha metido com o prazer, nunca mais lhe tinha ligado nenhuma. Pois o que aconteceu foi que o prazer ao ver a merda a fazer a corte à sua amante predilecta, desde que o amor o tinha deixado desgostoso, infeliz e inconsolável, armou um escândalo e só com a ajuda da morte conseguiram separá-lo da merda.
É claro que o tempo, que era o dono da casa, não ficou lá muito satisfeito, mas como todas as festas acabavam numa extrema confusão, depressa esqueceu o facto.
E foi assim que amanheceu mais um dia...

quinta-feira, maio 02, 1996

Excesso de Tempo

E o rio corre, corre...
Um dia há-de chegar ao mar
E quando chegar, espero que chegue azul.

E a vida passa, passa...
Um dia há-de passar de vez,
E qundo passar, espero que chegue ao céu.

E o rio é azul, azul de infinito,
Cheio de graciosidade e leveza,
Cheio de morte e de memória.
Uma memória que persiste e incomoda.
Uma morte respeitosa e fiel.

E o rio é apenas uma condição.
É apenas um caminho,
Um caminho da criação à criação
Só espero que chegue como partiu.
E quando chegar será a liberdade absoluta.

E o rio corre e a vida passa...
O tempo acaba e a vida ressurge.
E repete-se tudo de novo até que o tempo se canse,
E castigue a vida pela sua persistência irredutível.

E o rio corre em direcção ao nada, ao infinito.
E a vida navega pelo rio e deixa-se levar pela corrente,
Temendo as quedas de água (não vá a vida ter um inesperado encontro com a morte).
Embora pudesse até ser agradável à humanidade, num pequeno piquenique, vida e morte reunidas, como amigas de longa data.
E o tempo, esse veio depois, irónico como sempre, cínico e velhaco, escarrando pró chão e dizendo mal de toda a gente que passava, de quem ele conhece os mais intimos segredos.
Mas qual não foi o seu espanto, quando encontrou a vida e a morte como duas amantes. E excitadíssimo com a situação, quis juntar-se a elas. É claro que estas não gostaram nada desta visita, daquela horrível e fedorenta criatura, pela qual nutriam um ódio omnipresente. Sim, o tempo é o pior inimigo da vida e da morte, pois é o único que lhes limita os horizontes.
No entanto, eu falo por mim, e o tempo é o meu melhor amigo, sempre me foi fiel e generoso.
Mas elas correram logo com ele a pontapé, e o infeliz, rindo como um louco, lá foi cumprir mais umas horas da sua missão : atazanar o pessoal circundante.
Pois eu amo a vida, amo a morte, amo o tempo, amo porque me apetece! E ninguém tem nada com isso.
A leveza de Ser equivale ao peso da consciência..