domingo, junho 02, 1996

O rio está azul

E na minha vida o rio está finalmente a ficar azul e espero que assim continue, até que a morte resolva finalmente fazer uma visita.
O rio está azul e o céu cor de infinito, a vida cor de nada e o amor cor de um sono profundo. A morte está verde, sempre tão simpática e fiel, até que um dia comece a gostar demasiado de mim, se apaixone e me leve consigo para o infinito.
Em toda a minha existência fiz, faço e farei tudo pra agradar à morte e não à vida. Pois vidas já tive mais que mortes, pelo menos mais uma, e espero não vir a ter mais nenhuma vida mas somente uma longa e infinita morte.
Estou farta de errar, farta de não ir pelo caminho certo, espero desta vez, nesta vida, não errar na formação do meu espírito, espero não vir a ser, novamente castigada pela vida e espero que a morte esteja para me defender, como minha advogada.
Aí sim, o rio será totalmente azul e a vida afogar-se-á nele, com a morte e o tempo a rirem-se como loucos.
Aí quero estar para assistir ao desfecho da minha existência neste planeta que foi ocupado pelas distracções dele.
Espero que este dia não tarde e espero nunca mudar o pensamento, espero que esta segurança me persiga e este tempo não me impeça de falar, de ser, não me impeça de morrer para não mais viver.
Espero anda participar no piquenique organizado ela morte, pelo prazer, pela merda e pelo tempo, em que a vida não seja jamais uma convidada, mas apenas o "Bobo da corte".
Espero morrer como nasci, e já é pedir muito.
Espero, espero, espero...
E continuo a esperar até que o tempo deixe de ser generoso comigo e me entregue finalmente nos braços da morte.
Nesse piquenique vou apanhar uma bebedeira como nunca antes, até que entre em coma e assim permaneça no infinito, para não ter de me lembrar (como num lapso de memória) das vidas que tive e das vezes que errei e falhei.
Até esse dia, começo já por agradecer ao criador e às suas distracções, que me criaram e me mantiveram aqui neste planeta.
Assim, totalmente farta deste excesso de tempo, passo mais um metro deste rio que fica para trás, sem qualquer lembrança ou memória feliz. Não triste, porque nunca o fui, apenas frustrada, mas só um pouco.
Aprender com os erros para não voltar a errar, no entanto esquecê-los, porque de nada servem senão para morrer de arrependimento, que afinal é possível, ao contrário do que se pensa por aí.
E é olhando para o céu cor de infinito, que aqui registo um estado de espírito que espero não voltar a ter, pela sua insignificância, anti-didatismo e falta de bom-senso de metade da humanidade para com a outra metade, mais indefesa mas mais inteligente que são os estudantes.
A leveza de Ser equivale ao peso da consciência..