quinta-feira, maio 02, 1996

Excesso de Tempo

E o rio corre, corre...
Um dia há-de chegar ao mar
E quando chegar, espero que chegue azul.

E a vida passa, passa...
Um dia há-de passar de vez,
E qundo passar, espero que chegue ao céu.

E o rio é azul, azul de infinito,
Cheio de graciosidade e leveza,
Cheio de morte e de memória.
Uma memória que persiste e incomoda.
Uma morte respeitosa e fiel.

E o rio é apenas uma condição.
É apenas um caminho,
Um caminho da criação à criação
Só espero que chegue como partiu.
E quando chegar será a liberdade absoluta.

E o rio corre e a vida passa...
O tempo acaba e a vida ressurge.
E repete-se tudo de novo até que o tempo se canse,
E castigue a vida pela sua persistência irredutível.

E o rio corre em direcção ao nada, ao infinito.
E a vida navega pelo rio e deixa-se levar pela corrente,
Temendo as quedas de água (não vá a vida ter um inesperado encontro com a morte).
Embora pudesse até ser agradável à humanidade, num pequeno piquenique, vida e morte reunidas, como amigas de longa data.
E o tempo, esse veio depois, irónico como sempre, cínico e velhaco, escarrando pró chão e dizendo mal de toda a gente que passava, de quem ele conhece os mais intimos segredos.
Mas qual não foi o seu espanto, quando encontrou a vida e a morte como duas amantes. E excitadíssimo com a situação, quis juntar-se a elas. É claro que estas não gostaram nada desta visita, daquela horrível e fedorenta criatura, pela qual nutriam um ódio omnipresente. Sim, o tempo é o pior inimigo da vida e da morte, pois é o único que lhes limita os horizontes.
No entanto, eu falo por mim, e o tempo é o meu melhor amigo, sempre me foi fiel e generoso.
Mas elas correram logo com ele a pontapé, e o infeliz, rindo como um louco, lá foi cumprir mais umas horas da sua missão : atazanar o pessoal circundante.
Pois eu amo a vida, amo a morte, amo o tempo, amo porque me apetece! E ninguém tem nada com isso.

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A leveza de Ser equivale ao peso da consciência..